domingo, 14 de dezembro de 2008

Empatia, esse desafio...

Rubem Alves escreveu um artigo que intitulou de Escutatória, e começa assim:

“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... ninguém quer aprender a ouvir.”

Tenho pensado muito sobre a dificuldade de ouvir com atenção o que uma pessoa diz. Quantas vezes demoramos a perceber o real significado de uma frase? Que sentimentos desvela? Que sentimentos encobre? Que motivos, que contexto?

Quantas vezes fazemos o exercício de sair de nós, esvaziar-nos de nós para realmente ouvir o que o outro está a nos dizer? Com silêncio interno, com atenção e disponibilidade?

Quantas e quantas vezes interrompemos a fala do outro para falar de nós? Se não com palavras, mas em pensamento? Porque é muito comum – enquanto o outro fala - embarcarmos nos nossos próprios pensamentos, seja para responder, seja para comparar ou emitir um juízo de valor a respeito da fala dele.

Penso que a vida é uma passagem entre dois pontos, e cabe a nós vivê-la da melhor forma que pudermos, momento a momento. Isto significa, principalmente, cuidar das relações. Porque o mais importante, nesse caminho, são as pessoas com quem cruzamos enquanto vivemos. Todas têm sua riqueza e são fonte de aprendizado, quer pelas coisas boas que nos fazem, quer quando nos prejudicam.

Ouvir de verdade assemelha-se a criar uma ponte. Saio de mim em direção ao outro, e ali me permito ficar momentaneamente, num exercício de respeito e humildade. Faço uma suspensão momentânea de juízos e idéias preconcebidas para tentar compreender o que o outro quer me dizer. A partir do contexto dele. O outro, esse desconhecido. O outro, tão diferente de mim. O outro, esse espelho onde me olho.

Quando finalmente consigo ouvir o que o outro me diz, a partir do ponto de vista dele, consigo realmente compreender. Isto é empatia. E não é fácil. Exige esforço e disposição interna. Mas é a ponte que atravesso para o mundo do outro. Que, uma vez compreendido, não me pede julgamentos nem críticas, apenas compreensão.

Rogers dizia que “é sempre altamente enriquecedor poder aceitar outra pessoa”, e é uma verdade. Nem sempre conseguimos, mas podemos tentar. A vida fica bem mais leve assim: um delicado exercício de compaixão. Realmente aceitando que temos falhas, e o outro também. Sem cobrança, sem idealização, apenas vivendo da melhor forma possível, amando-nos como somos e amando o outro do jeito que ele é.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

ENVELHECER COM DIGNIDADE


Morar em Lisboa tem sido uma experiência marcante em minha vida, um aprendizado constante e enriquecedor. Quando se pensa em Europa, geralmente pensa-se em glamour, mas esse é o canto da sereia, e é ilusório. Morar aqui é muito bom, sim, tenho conhecido lugares incríveis e pessoas interessantíssimas, mas é também complicado e estressante em muitos pontos.

Entre todas as dificuldades que precisei enfrentar, quando aqui cheguei, o item moradia talvez tenha sido o mais penoso e desgastante. Mas procurar um apartamento teve seu encanto também, pois peguei o mapa e fui de rua em rua, de bairro em bairro... hoje conheço Lisboa tão bem quanto Belo Horizonte, minha cidade de uma vida inteira...

Finalmente consegui encontrar um apartamento claro, amplo, bem situado, bem servido em termos de transportes públicos e comércio, por um preço justo. Tudo isso era preciso observar, pois aqui eu ando só com os meus dois pezinhos...

E percebo que ganhei em vitalidade e disposição. Subo e desço os quatro lances de escada com a maior facilidade (é, nada de mordomias de elevador também, pois é um prédio antiguinho...), subo ladeiras, carrego as compras...

Tenho aprendido muito observando as pessoas. Portugal é um país com elevado índice de idosos, algo em torno de 16% da população, e tende a aumentar, segundo estudos recentes. Embora seja também um país com um nível de pobreza preocupante e que atinge especialmente os idosos, vejo-os por toda parte muito ativos e participantes: nas lojas, pelas ruas, nos transportes públicos, nos correios, nas tradicionais pastelarias portuguesas, a meio da tarde...

Mas o que me encanta mesmo é acompanhar o trabalho da minha vizinha de fundos. Quando aqui cheguei, era outubro de 2007, e as chuvas tinham feito crescer o mato no terreno dos fundos do meu apartamento. Habituei-me a ver aquela vegetação, até que um belo dia, tive a grata surpresa e mais uma lição de vida: uma senhora de aproximadamente setenta anos, robusta e de cabelos brancos, estava capinando o terreno. Mal pude acreditar no que os meus olhos estavam vendo... Passei a observá-la discreta e respeitosamente a partir da janela da minha cozinha. Dia a dia, passo a passo, ela fazia um pequeno trecho. Mantinha uma cadeira à mão, um chapéu na cabeça, e por vezes se sentava e contemplava o que tinha feito. E um belo dia, o terreno estava limpo. Depois, semeou uma bela horta e a mantém viçosa. Isso mesmo, no coração de Lisboa existe um quintal de aproximadamente mil metros, onde uma senhora de setenta anos cuida sozinha do terreno!

A fibra e disposição dessa vizinha de cabelos brancos me faz lembrar de uma outra, bem mais idosa. É uma senhora doce e muito simples, que se mantém lúcida e ativa, mesmo que hoje seus passos sejam lentos e trôpegos pela fragilidade provocada por uma artrose nos joelhos. Que suporta e não se queixa das muitas dores que essa artrose lhe causa, e só em raros momentos se deita porque a dor naquele dia superou seus limites... Não gosta de entregar os pontos, e nem pede ajuda para o que consegue fazer sozinha. E consegue praticamente tudo, desde o banho, o vestir-se, além de saber muito bem o que se passa no mundo, pois lê os jornais e acompanha os noticiários. E torce pelo seu time de futebol! Muito ativa uma vida inteira, hoje tece crochê em panos de copa, e é uma vendedora de mão cheia...

Esta senhora chama-se Alice, tem 97 anos e nove meses e é minha mãe.

E mantenho bem viva na lembrança uma cena recente. O dia amanhecera e ela foi tomar seu café da manhã. Sempre procuro dar-lhe o conforto de esquentar seu leite, mas nesse dia me distraí fazendo alguma coisa e quando vi, ela vinha da cozinha trazendo na mãozinha trêmula, pois já não tem firmeza, a xícara com o leite quente. Perguntei: foi a senhora que esquentou o leite no microondas? E ela, toda orgulhosa: foi sim, aprendi!

A lição que quero partilhar hoje é esta: para envelhecer com dignidade, é preciso abertura para a vida. Uma certa garra e disposição para o novo, e até mesmo uma certa ousadia, mesmo que nós, os pretensos mais novos, queiramos protegê-los de sua velhice...






sexta-feira, 3 de outubro de 2008

LONGE/PERTO É UMA PALAVRA POSSÍVEL


Desde que iniciei o mestrado em Lisboa, há um ano, tenho aprendido muito, não só em termos de conteúdo teórico, mas principalmente em termos vivenciais.

É muito gratificante nesta altura da vida conhecer o que é morar em outro pais, ter o contato com outra cultura, com outras formas de perceber a vida, com outro humor para as questões do dia a dia.

Supreende-me e ao mesmo tempo me encanta a convivência com esse povo gentil, solidário, amoroso, formal e contido. Nem sempre tudo transcorre às mil maravilhas para um estrangeiro aqui, há muitos entraves burocráticos, a prestação de serviços nem sempre é de qualidade, o atendimento às vezes nos soa ríspido e seco, para nós brasileiros, habituados ao nosso famoso “jeitinho brasileiro” de resolver as coisas, à nossa alegria, espontaneidade e descomplicado jeito de solucionar problemas. Sem falar no clima tão diferente do nosso.

Mas, venho procurando ter flexibilidade e abertura para o novo, única forma de viver plenamente esse momento. Abrir-se para o novo é fluir com a vida, é se deixar transmutar pelo bom e pelo ruim, pelo alegre e pelo triste, é não escolher o que viver, apenas viver da forma que nos for possível e permitido.

Aqui, do outro lado do oceano, aprendi que a distância não se mede em quilômetros, mas em qualidade de presença. Hoje em dia, a internet encurta as distâncias e facilita muito o contato verdadeiro e diário com as pessoas afins. Emails, chats, câmeras e fones nos colocam na sala de visitas do filho, da mãe, do amigo distante, e longe/perto é uma palavra possível. Sem falar nos amigos virtuais, que de tão próximos um dia acabamos por conhecer pessoalmente, como é o caso do meu amigo e poeta curitibano, Altair de Oliveira, e de Leonora Meirelles, musicista de BH, que conheci recentemente. E sem falar no meu grande amigo e confidente, Álvaro Costa, que tanto me incentivou a vir fazer esse mestrado em Lisboa...

Com a distância reduzida graças à Net, mantenho contato com a equipe do ateliê, que agora tem dois novos integrantes: o Alexandre Britto, licenciado em Educação Física e estudante de Psicologia, com ampla experiência de trabalho com pequenos grupos, e Rafaela Ladeira, também estudante de Psicologia pela UFMG, sua auxiliar e co-facilitadora. Os dois estarão oferecendo o curso vivencial "O terapêutico nas práticas grupais", com início previsto para o final de outubro. As informações detalhadas podem ser encontradas no nosso site, nas seções Quem Somos e O Que Fazemos.

Este é mais um convite ao diálogo, partilha, reflexões, porque é assim que entendo a vida: uma contínua troca de experiências e aprendizado, uma rede de relações tecida com muito amor e inteireza. Se gostarem da nossa proposta, ajudem-nos a divulgar, se não gostarem, enriqueçam-nos com suas críticas e sugestões.


sábado, 23 de agosto de 2008

DEZ ANINHOS DE PERCURSO


Setembro está chegando e de repente me dei conta de que havia um aniversário a comemorar: o ateliê completa dez anos de existência. Melhor dizendo, dez anos de vida e de percurso vivencial.

Como todo ser vivente, teve fases, transmutou, acompanhou passo a passo meu próprio percurso de vida. E como a vida, teve momentos de casulo e momentos de abrir as asas e alçar vôo.

Da arte para a arteterapia, e desta para a psicologia, agregando, somando, sem nunca deixar de ser o espaço onde se cria. Onde a pessoa se expressa, onde a pessoa se exerce, onde a pessoa se encontra e se permite literalmente SER.

O ateliê é e sempre foi um espaço de interação. Consigo, com o outro. Um espaço de acreditar no próprio potencial, e de partilhar com o outro o que aprendeu em si.

É muito comum, quando se fala em criar, em criatividade, que venha logo um preconceito: não sei criar, como se a criatividade tivesse a ver somente com expressão pela arte. Mas, criar é muito mais amplo que isto, criar é expressar um jeito de ser, pessoal e único.

Quando alguém encontra uma solução para um velho problema, quando ousa experimentar algo novo, que acabou de perceber, quando acredita numa idéia que teve e a expressa, está sendo genuinamente criativa, está se exercendo enquanto pessoa. Ela só precisa se permitir uma abertura às novas experiências, um olhar de primeira vez para os acontecimentos. Ela só precisa estar disposta a se conhecer um pouquinho mais a cada dia. E confiar. Em si, no seu potencial, na força dos seus sentimentos e percepções, na linguagem do seu corpo, sempre tão veemente...

Estar presente no momento presente, para desfrutá-lo ou transformá-lo.

Esta sempre foi a tônica do ateliê: acreditar nas pessoas, incentivá-las a se expressar, caminhar lado a lado com elas pela vida.

E as parcerias vêm chegando, somando conhecimentos, experiência e intenções. O ateliê conta hoje com o trabalho de Adriana Ferreira e Ana Paula Rodrigues e está aberto a mais pessoas que se disponham a somar esforços para que este espaço seja cada vez mais um lugar de autoconhecimento e expressão criativa.

Completamos dez anos, e temos muitos laços, vínculos preciosos tecidos no dia a dia de confidência e partilha.

E queremos conversar, sobre isso e sobre muitas outras coisas. Por isso o Diário de Bordo, pois somos todos passageiros transitórios, vivendo aqui e agora.

O convite está feito: este espaço é seu também, seja bem-vindo, expresse-se, contribua, discorde, critique, aplauda, compartilhe. Vamos escrever juntos a nossa história...